Somos todos iguais? Estudo de caso da inusitada campanha sobre os direitos dos deficientes

Não tem muito tempo explodiu nas redes sociais uma suposta campanha contra os direitos das pessoas com deficiência. Se você acompanhou a movimentação, sabe que não se trata de nenhum movimento extremista. Pelo contrário, foi uma ação do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Curitiba em defesa desse público. Vamos falar dessa iniciativa na postagem de hoje.

Contudo, adianto que não quero chover no molhado. A minha proposta é trazer essa campanha como um estudo de caso comentado para que você veja, na prática, o que foi feito e como as redes sociais são poderosas ferramentas de diálogo social. Vamos lá?

Foto: Agência Brasil
A realidade dos deficientes no Brasil
Pelo menos 45 milhões de pessoas no Brasil possuem algum tipo de deficiência, o que equivale a aproximadamente 23% da população do País. Os dados fazem parte do Censo 2010 divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A deficiência visual é a mais comum, representando 18,8% dos casos. Em seguida, aparecem as deficiências motora (7%), auditiva (5,1%) e mental ou intelectual (1,4%). 

As dificuldades vivenciadas por esse público começam no mercado de trabalho. Dos 44 milhões de deficientes que estão em idade ativa, 53,8% estão desocupados ou fora do mercado. Muitos deles não conquistam um emprego devido ao preconceito das empresas.

Se conseguir uma vaga no mercado de trabalho é difícil, nas ruas mais ainda. Comumente, os espaços nos estacionamentos reservados para as pessoas com deficiência são ocupados por outros condutores. Os deficientes que se deslocam a pé ou utilizam o transporte público também enfrentam problemas com a falta de acessibilidade. As calçadas são desniveladas e as paradas de ônibus não costumam ter placas escritas em braile, por exemplo.

Foto: Sinpro/AL
Em 1998, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 3 de dezembro como Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. A data se propõe a criar uma reflexão sobre as questões relacionadas à deficiência e buscar a inclusão dessa parcela da população na sociedade.

Sobre  o Conselho
O Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Curitiba foi criado no ano de 1993, por meio da Lei 8.126. Vinculado à secretaria do governo municipal, sua principal missão é estabelecer prioridades de atuação e definir a aplicação de recursos destinados à assistência dos deficientes. Também faz parte de seu objetivo, homologar a concessão de auxílios e subvenções a entidades particulares, filantrópicas e sem fins lucrativos atuantes nessa causa. 

Conheça campanha
Aproveitando o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, o órgão decidiu fazer uma campanha. A ideia era chamar a atenção da comunidade para a causa e ampliar os debates sobre os direitos desse público. Geralmente, as campanhas desse tema apelam para um discurso mais emotivo como forma de persuasão. 

Contudo, a proposta do Conselho foi além do óbvio. No lugar de defender os direitos dos deficientes explicitamente, o órgão criou o Movimento pela Reforma dos Direitos (MRD). Ele foi apresentado em um outdoor na cidade de Curitiba no dia 30 de novembro. Na placa, um pedido em letras garrafais pelo fim dos privilégios aos deficientes. 

Foto: Divulgação Conselho
Então, o público era direcionado para uma página no Facebook onde encontrava um conjunto de postagens sobre as propostas do MRV. Dentre elas, a redução em 50% das vagas exclusivas para deficientes e o fim da isenção de impostos na compra de carros 0 km. Também foi disponibilizada uma petição para aqueles que concordassem com as pautas pudessem assinar.

Foto: Divulgação Conselho
As publicações foram suficientes para causar revolta na fanpage em poucos dias. Apesar de algumas pessoas terem assinado a petição, a maioria dos internautas se manifestou contrária à campanha. Muitos deles, inclusive, escreveram mensagens de repúdio ao movimento. 

Hora de revelar a verdade
A repercussão negativa tinha um propósito. Uma vez que a chama do debate foi acesa, era hora de contar ao público a real bandeira da campanha. Foi por meio da página do Facebook que o Conselho Municipal convidou a mídia para uma coletiva de imprensa. Na ocasião, foi dito que se tratava de uma iniciativa municipal a favor dos deficientes.

O intuito era informar a mídia e a comunidade sobre os verdadeiros motivos da campanha somente no dia 3 de dezembro, mas devido à polêmica nas redes sociais, a coletiva foi antecipada para o dia 1.º do mesmo mês. Até esse momento, só havia especulações sobre o que seria o MRV e se ele verdadeiro ou não. 

Uma das justificativas para a criação da campanha foi mostrar o preconceito que os deficientes experimentam diariamente. Também para destacar que a indignação demonstrada nas redes sociais aconteça na vida real, quando são violados os direitos das pessoas deficientes.

Segunda fase
Passada a coletiva de imprensa, teve início a segunda fase da iniciativa. As mensagens traziam o fechamento da provocação inicial. Em um dos textos aparece a frase do polêmico outdoor parcialmente coberta pela pergunta: "se tantos se revoltaram, por que muitos ainda desrespeitam?".

Foto: Divulgação Conselho
Desde o início de dezembro, o Conselho tem utilizado a página para promover os direitos dos deficientes. Foram publicadas diversas postagens explicando os motivos pelos quais eles precisam de benefícios. Com o mote "não é privilégio, é direito", essa nova etapa traz o uso da hashtag  #SomosMuitosTemosNossosDireitos como o objetivo de reforçar a verdadeira bandeira da campanha. 

Resultados
A campanha pelos direitos dos deficientes não ficou restrita ao mundo virtual. Pelo contrário, houve grande exposição na mídia nacional. Diversos veículos como o Portal G1, a revista Veja e o jornal Gazeta do Povo publicaram matérias sobre a iniciativa, o que gerou mídia espontânea ao Conselho Municipal e também à Prefeitura de Curitiba.  


A própria presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Curitiba, Mirela Prosdócimo, esteve também no programa da Fátima Bernardes, apresentadora da rede Globo de televisão. Durante a conversa, que ocorreu no dia 2 de dezembro, ela explicou sobre as intenções da campanha. O Conselho estima um alcance de pelo menos 7 milhões de pessoas nas redes sociais desde a publicação do outdoor.

E então, o que você achou da campanha? Foi uma piada de mau gosto ou a iniciativa realmente cumpriu o seu papel? Fique à vontade para deixar seu comentário.


2 comentários:

  1. Um blog diferente, com conteúdo!! Vi muito texto sobre essa campanha da prefeitura, mas esse é o primeiro que eu vejo que para pra analisar a informação, que faz a gente pensar! Muito bom o case, Virna!

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    1. Obrigada, Fábio! A ideia do texto era justamente trazer mais conteúdo e não apenas informar. Fico feliz que o objetivo tenha sido cumprido!
      Volte ao blog mais vezes!
      Abraço,

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