O olhar do jornalismo sobre os temas sociais

Durante muito tempo eu achei que as questões sociais estivessem mais relacionadas ao marketing do que qualquer outra área. Essa percepção mudou recentemente. Na verdade, o jornalismo também pode utilizar suas lentes para promover mudanças sociais. É o chamado Journalism for Social Change (J4SC). Talvez você esteja se perguntando: o que ele significa? Como funciona? Essas e outras respostas você confere na postagem.


Quando se fala em textos jornalísticos, uma das primeiras coisas que se pensa são matérias com conteúdo bombástico, por vezes polêmico, sobre tragédias, escândalos, corrupção e outros temas afins. Se você abrir as primeiras páginas de um jornal, certamente deverá encontrar algo com esse teor.

Porém, nos Estados Unidos tem se tornado cada vez mais forte a abordagem Solutions Journalism, que é o jornalismo com foco nas soluções de determinada questão. O intuito é levar um aspecto positivo para o leitor, com histórias sobre o que tem sido feito para mudar um problema social. Vi esse tema em um curso do qual participei recentemente, oferecido pela Universidade de Berkeley, na Califórnia. Inclusive, foi o motivo do meu ligeiro sumiço aqui no blog, mas agora estou de volta.

Um pouco de história
Tudo começou mais ou menos assim: repórteres e editores do jornal americano The Seattle Times verificaram que sua audiência estava dessensibilizada com os inúmeros desafios enfrentados pelas escolas no Estado de Washington. A constatação se deu a partir de um projeto, gerido pelo próprio jornal, chamado Laboratório de Educação.

Adolescentes rebeldes, baixo rendimento entre os estudantes com pouca condição social e elevadas taxas de evasão escolar não era mais novidade. Então, o jornal americano fez uma parceria com o Solutions Journalism Network (SJN), rede criada em outubro de 2013 para divulgar o conceito entre os profissionais da área. A partir daí, ficou decidido que haveria uma mudança na forma de cobrir o tema de educação.


Em vez de identificar as piores escolas da região e explicar por que elas estavam fracassando, o time optou por encontrar as escolas que estavam trabalhando para melhorar o atual cenário da educação no Estado. Uma das estratégias era perguntar aos professores e estudantes o que eles destacavam de positivo. A abordagem passou de reportar os problemas nas escolas, para cobrir as soluções.

O Laboratório segue em andamento e histórias com enfoque positivo continuam sendo divulgadas. De acordo com os editores do The Seattle Time e os jornalistas do SJN, a simples mudança no teor dos textos trouxe o tema da educação de volta aos holofotes, desta vez com o engajamento da comunidade.

Mitos e verdades
Confesso que quanto mais eu lia sobre o Solutions Journalism, mais dúvidas iam surgindo. Pode ser que você esteja se fazendo algumas perguntas agora. Talvez até as mesmas das minhas. Para esclarecer a terminologia, a rede SJN publicou um ranking com os três mitos mais comuns sobre o Solutions Journalism. Vamos conferir:

1. O Solutions Journalism é tendencioso, pois requer que os jornalistas se posicionem sobre as soluções para os problemas sociais
O grupo esclarece que o objetivo não é apresentar uma solução específica ou uma solução ainda inexistente. Pelo contrário, as histórias costumam abordar programas ou políticas públicas implementadas. Como respaldo, os jornalistas utilizam dados e informações capazes de provar a eficiência daquelas respostas ao problema social.

Contudo, em nenhum momento, a história se posiciona sobre a melhor solução. Isso garante o princípio da impessoalidade ao material e permite que o leitor tire suas próprias conclusões. 


2. Ou é o jornalismo voltado para as soluções ou o jornalismo tradicional: não é possível ter os dois
Para algumas pessoas, pode ser quase automático pensar que as duas abordagens são excludentes. Contudo, os fundadores do SJN garantem que não é preciso escolher entre cobrir as soluções no lugar de cobrir os problemas. Eles afirmam que o Solutions Journalism é apenas uma ferramenta, entre várias outras, utilizadas pelos jornalistas que deve ser utilizada quando existe uma lacuna na consciência das pessoas sobre um problema social.

Uma das dicas aos colegas da área é fazer o seguinte questionamento: o que está faltando nessa conversa com o público? Às vezes pode ser falta de conhecimento a respeito do problema – e neste caso pode ser precipitado reportar soluções – ou mesmo a necessidade de compreender as alternativas possíveis. Agora se o tema já foi amplamente divulgado, talvez seja a hora de mudar a abordagem das matérias. 

3. O que você está reportando precisa ser A solução
Na verdade, a essência é apresentar uma possível solução para aquele problema social. Os autores da metodologia defendem que ela não precisa ser a única existente, nem a melhor. Até porque isso contraria o primeiro mito, que supõe que o Solutions Journalism é tendencioso. O intuito é revelar uma resposta que tem apresentado resultados concretos e positivos.

Acredito que agora, munido essas informações, você consegue diferenciar o que é o Solutions Journalism do que ele não é. Além dos mitos, vimos de onde surgiu o conceito e qual sua proposta. O tema é bem amplo e prometo que você verá mais conteúdo a respeito aqui no blog. Por agora quero saber de você: já tinha ouvido falar desse conceito? Acha que ele tem sido aplicado no Brasil? Fique à vontade para deixar seu comentário.

Um comentário:

  1. Excelente texto, sou fã do seu trabalho! Continue escrevendo.

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